sábado, 10 de março de 2012

X operário padrão



Quando eu acordo ainda não amanheceu,
faço o sinal da cruz e agradeço primeiro Deus.
Higiene pessoal, uniforme, boné, botina,
marmita na mochila e tudo em cima
saio sem fazer barulho pra não acordar a família
um agrado nos cachorros, sigo minha trilha.
As 7 da manhã já bati meu cartão
assim começa meu dia, profissão: pião
Um cafezinho com leite, um pão e é só
perdi 6 quilos no primeiro mês véi, to só o pó.
Mas ta valendo, to trampando, pode crê, to de boua,
melhor que ficar parado tipo água de lagoa.
Tenho mulher, tenho meu filho pra criar
quebro pedra o dia inteiro mas não vou roubar.
Serviço bruto! pode trazer, peão encaro
tem muito diploma que não vale meus calos.
Outro dia ouvi um peão falar,
nem precisei de caneta véi pra anotar,
ficou gravado na memória, coloquei na letra
"mais fácil carregar um livro que uma picareta".
Um homem sem estudo e conhecimento não é nada.
Um homem sem dinheiro, tipo alma penada
Por isso que trabalho pra caralho e ainda estudo
posso não ter nada, pra família eu quero tudo.

Em outros países ganharia vários dólares,
no meu pais o meu salário é quase esmola.
Água de torneira, provável verminose
sem mascara pro trabalho exposto a hantavirose.
Chamado de bicho-bruto
orelha seca, couro grosso, suor molha o chão
o sol queima o pescoço.
Diga o que quiser, nenhum insulto me abate
sou a fantasia sexual de muita socialite.
As pessoas passam e não me veem sou invisível,
pra parte da sociedade sou desprezível.
Quando trabalho no gueto o tratamento é diferente,
tem sempre água fria e um café bem quente
é gente pobre como eu, a maioria de bem
muitos queriam poder estar trabalhando também
já outros não querem dureza, isso também é verdade
trabalhar é pra quem tem coragem.
E a batalha continua vejo os parceiros ralando
tem uns caras que parecem até ser sobre-humanos
sem nutricionista, energético, só força bruta nos braços
pessoas de carne e osso, parecem de aço.
Na hora do almoço, silêncio, uma oração
ache uma sombra, bata marmita, sentado no chão
carro passa, hora voa, o sol ta quente
mal acabo de engolir, de volta pro batente.

O dia-a-dia é duro, o trabalho é sofrido
mas aqui ninguém da mole, a gente bota duido.
Se a luva rasga a mão sangra, a garra vence a dor
aqui é que o sujeito mostra o seu valor.
Conheço um cara que se acha, tira onda, bota a banca
quero ver se é guerreiro batendo alavanca
não agüenta um dia, abre o bico, pede arrego
acha mais fácil roubar que procurar emprego
mas tem razão, roubar é mais fácil do que trabalhar.
Preste atenção, tem papai e mamãe pra te bancar
se acha melhor que os outros, diz que é o tal
nem concluiu a quarta série do primeiro grau.
Só quem calça aqui sabe onde o sapato aperta
nem sempre é fácil parceiro, fazer a coisa certa
é preferível ser peão do que vida torta
não tem policia nem cobrador em minha porta.
O dia chega ao seu final 17 horas
juntar as ferramentas, entrar na combi e ir embora
cada dia uma batalha, todo dia uma vitória
gladiadores fazendo historia.
A noite em casa quero descansar
às vezes tenho forças véi pra estudar.
Sei que posso melhorar o que vem pela frente
quero melhorar em tudo tudo e sempre!